Onde é que eu já vi isto...?

PRODÍGIOS DE IMBECILIDADE
É assim. Se antipatizas com alguém à primeira vista, é um sinal. Verás que, com o tempo, o destino dar-te-á razão. É uma questão de pele. Uma questão de sintonias.
Para mim, ser-se antipático não quer dizer que não se seja simpático. Há quem não seja espirituoso, quem não tenha o dom da piada, quem não goste de estar em grupo. Mas pode muito bem ser amável, generoso, disponível. O antipático não tem dotes. Ou tem-nos bem escondidos. O antipático faz opções absurdas e exibe-as como golpes de génio. Compra um Mercedes e monta-lhe a instalação a gás. E gaba-se disso. O antipático fuma. Mas só fuma cigarros de marca desconhecida, compridos e finos, de preferência mentolados. Para não ter de os oferecer. E vive fora da cidade. Isolado. Graças a Deus. Em geral, num sítio que não tem nome, nem rua. Para o encontrarmos, temos de voltar à direita, a seguir ao bidão do lixo e àquele restaurante que, infelizmente, nunca se consegue encontrar porque está fechado sete dias em sete. O antipático é também um apaixonado por música. Mas só por um certo tipo de música. Jazz rarefeito dos países de Leste. É inútil explicar-te. Coisa para palatos extrafinos. E depois, há a namorada. Mas não normal, tipo dois braços, duas pernas e um punhado de cabelos. Não. A namorada dele é uma superlativa absoluta. Belíssima, inteligentíssima, simpaticíssima. Fácil de trocar por outra, passados uns meses. Fascinantíssima, espirituosíssima e também belíssima. O antipático usa a mesma marca durante a vida toda. Tem de ser sempre aquela, não faltava mais nada. Há anos que se dá bem com ela, já lhe deu tantas satisfações que não tenciona mudar. O que podes pretender de alguém que tem trinta pares de sapatos do mesmo modelo e um camião de camisas da mesma côr e do mesmo feitio? E, para terminar, o antipático tem um Macintosh, acerca do qual nos canta peãs que dão vontade de o mandar fuzilar. Eu, que tenho um PC, posso muito bem ser uma mulher das cavernas, mas deixo-te em paz, meu grandessíssimo chato. E não me obrigues a dizer onde deves enfiar a tal maçã.

Luciana Littizetto, in Solteira, Independente e Bem Acompanhada